Nossos
primeiros 500 quilômetros
Castanhal-PA
até São Luiz-MA
Certamente
que para aqueles que já fizeram muito, o desafio proposto pode parecer pouco,
para os que nada fazem, pode parecer muito. Mas não é nem pouco e nem muito. Quando
conquistamos a nós mesmos, tal feito é imensurável, não deve ser nivelado por
fora, mas sim por dentro. A grande conquista é interior. Sem nivelamento entre
os competidores, a vitória não tem sabor de vitória, e a todo instante, sem
olhar para trás, nosso objetivo foi sendo alcançado a cada quilometro, a cada
metro percorrido.
Com
um alvo em comum, nós os quatro amigos, Luiz Andre, Andre Rabelo, Carlos Roberto
e Eu, Waldez Pantoja, decidimos sair de Castanhal-PA e ir até São Luiz-MA,
pedalando nossas Bikes. Um percurso de aproximadamente quinhentos quilômetros.
A largada
foi às cinco da manhã, e os primeiros quilômetros foram sofridos. A dúvida
ainda fazia parte da jornada inicial, mas logo nos demos conta de que a força interior
que desconhecíamos, brotava assombrosamente, fluía de dentro de cada um de nós.
Uma a uma as enormes ladeiras, subidas, as curvas, as infindáveis retas foram
sendo conquistadas. O dia amanhecia e lá estávamos nós prontos para mais uma
etapa, encarando frente a frente o Sol, a chuva, a fadiga, e o gigante Interior
que eu sempre chamei de Gygamalys. Descobri há muito tempo, em minhas viagens de
aventura em motocicleta, o Gigante do Mal(Gygamalys), que tenta a todo instante
nos convencer de que não somos capazes, basta não alimentá-lo e ele morre rapidamente.
Antes
de sairmos decidimos que nossa empreitada tinha como objetivo maior, conquistar
o inóspito terreno desconhecido, ele está dentro de cada um de nós. Enquanto
não vivenciamos uma experiência pessoal qualquer, nada podemos relatar sobre a
mesma. Motivados pelos escritos de Amir Klink, o grande navegador, decidimos
que não deveríamos nos tornar mestres ou doutores daquilo que apenas ouvimos
falar. Deveríamos caminhar com nossos próprios pés, ouvir com nossos próprios ouvidos,
ver com nossos próprios olhos, e sentir com a nossa própria alma. “Um homem
precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que
nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser;
que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser
alunos, e simplesmente ir ver”. Vez por outra
encontramos "Mestres e Doutores" em assuntos que apenas ouviram
falar. Não viram, não experimentaram, não presenciaram, não estudaram, repetem
um turvo eco, certos de que, sábios são.
...Viver e não ter a vergonha de ser feliz... um lema
proposto.
Ouvimos
histórias, algumas fantasiosas, vimos gente que sobrevive com muito pouco, mas
felizes e sorridentes. Despertamos sonhos, influenciamos e fomos influenciados
também. Um Juiz amigo do Carlos Roberto, ao tomar conhecimento do nosso feito, prometeu
que vai sim, comprar uma bicicleta e começar a viver a vida.
A
vida fora do tubo – Precisamos sair do tubo, o tubo
da rotina maléfica que maltrata e assola tanta gente. São muitas as desculpas
para viver dentro do tubo; não posso, não consigo, não tenho tempo; não estou
preparado; falta-me isso ou aquilo. Mas quem sabe um dia a liberdade alcance
até mesmo o mais temeroso dos homens e o faça saber que há uma vida cheia de
preciosidades a serem descobertas lá fora.
Às vezes
precisamos sacrificar parte para salvar o todo. Um dia a mais de trabalho, um
dinheiro a mais que entraria na conta corrente, o conforto do lar, a companhia
dos amigos que não mudam jamais, parentes que insistem em nos aconselhar sobre
algo que jamais vivenciaram. Sacrificar ideias arraigadas que não nos deixam
experimentar novos sabores. O medo do desconhecido causa mais dano que as
quedas provocadas em campo aberto, os arranhões, o cansaço, morre aos poucos
quem não desafia a si mesmo. Morre quem foge e vive em devaneio acreditando que
um milagre irá ocorrer sem que nada seja feito.
Em
um trecho da viagem meu amigo Andre Rabelo (Capitão), fez a pergunta que eu, inúmeras
vezes também fizera nos primórdios das minhas grandes aventuras: - O que eu
estou fazendo aqui? Respondi: – Calma! Calma amigo, você mesmo irá responder em
breve. Agora sei que a resposta veio justamente quando ele pensava que não
conseguiria aquele quilometro a mais. Antes mesmo de concluirmos a viagem, um
novo desafio já havia sido estabelecido. Pedalar até o Monte Roraima na
Venezuela. Para quem por um instante acreditou que era impossível, algo extraordinário
aconteceu. Um sonho realizado desperta sempre outros maiores ainda.
Fumou Jornal de Noticia Ruim? - Com
muito bom humor seguíamos em ritmo constante, rumo ao objetivo final. Vez por
outra nos desligávamos. Nosso distraído Capitão parecia ter fumado Jornal de
Noticia ruim. Pedalou com tanta gana que nos deixo quilômetros a trás. Sumiu e
não se deu conta de que havíamos parado para o descanso combinado anteriormente.
Mas o mais engraçado foi após uns cinco quilômetros ele ter parado e perguntado
a si mesmo: - Eles passaram e eu não vi? Na duvida retornou a nos encontrou
descansados e refrescados, enquanto ele mesmo bufava feito um búfalo do Marajó
de tão cansado que estava.
O Tio “the Flash” – As pessoas na
estrada sempre nos vêem com certa curiosidade, algumas puxam conversa, e outras
tentam a todo custo demonstrar que também estão aptas, são capazes de tal
empreitada. Buscam nivelamento. Foi o que ocorreu com um tiozinho que disse ser
acostumado a fazer os noventa e nove quilômetros que separam Castanhal de
Capanema, em apenas uma hora e vinte minutos. Mas o mais interessante é que ele
ia, chegava a Castanhal e voltava rapidamente após um banho. Não duvidamos, mas
com a bicicleta que ele dizia ter, fazer tal proeza, é humanamente impossível.
Policia
Federal – Em outro trecho, paramos por um momento, um carro da Policia federal
passou, nos avistou e retornou para saber se precisávamos de alguma ajuda. Foi
bem interessante, pois tal comportamento no Brasil é raro. Após confirmarmos
que estava tudo bem, eles seguiram viagem e nos ficamos tentando imaginar o porquê
da parada repentina.
Água mineral Pirata – A ganância e a
falta de fiscalização de órgãos competentes comprometem a saúde dos cidadãos. A
beira da estrada nós encontramos uma quantidade enorme de carros parados, um
pequeno caminhão abarrotado de garrafões de água mineral. Paramos para
verificar e lá havia uma bica onde os garrafões eram cheios para serem vendidos
como água mineral genuína. Sem nenhum constrangimento, fomos convidados a
encher nossos reservatórios de água também.
Enevaldo o Diabético – Nosso ritmo de
pedalada nos obrigava a parar a cada vinte quilômetros percorridos. Certas
vezes menos, outras vezes mais. Foi em uma dessas paradas, em uma mercearia a
beira da estrada que encontramos um distinto e conversador senhor, sentado em
um banco atrás da caixa registradora. De lá ele comanda o pequeno comercio. Educadamente
ele perguntou de onde vínhamos e para onde íamos. Respondemos e ao mesmo tempo
eu pedi um refrigerante qualquer que fosse zero caloria, sem adição de açúcar, o
que despertou a curiosidade daquele senhor. - Você é diabético? Perguntou ele.
Respondi que apenas controlava a ingestão demasiada de açúcar. Ele passou então
a narrar como perdera a perna esquerda por não controlar sua taxa de açúcar no
sangue. Dizia ele ser cuidadoso com a saúde. Perguntei se bebia, ele disse que
não muito, pois ficava bêbado rapidamente após umas seis ou sete cervejas, daí parava.
Sorri! O distinto senhor fazia questão
de dizer que era amigo de todo o mundo, mas não levava desaforo pra casa.
Eu quero Jambo – A margem da estrada
sempre nós nos deparávamos com enormes pés de Jambo e mangueiras, as frutas
serviam de sobre mesa após o almoço. A galinha caipira era nosso prato
favorito. A sombra era um convite especial a uma pequena e refrescante pausa na
pedalada. Em uma dessas paradas encontramos um garoto com um apetitoso jambo,
tentei roubá-lo, mas o experto garoto saiu correndo, fugiu e me deixou sem
minha fruta favorita, o Jambo roxo.
Banho na caixa D’água. O dia havia
começado debaixo de muito sol. Pedalar com sol escaldante realmente é muito
desgastante. As forças são minadas em poucas horas. Assim chegamos a uma
pequena venda e lá nos fundos havia uma enorme caixa D’água. Alguém teve a idéia
de pedir para molhar a roupa. A senhora da casa permitiu e lá fomos nós tomar
um merecido banho para retomarmos a pedalada, já refrescados. Pena que em
poucos instantes voltamos a sentir falta de mais água ainda. Cheguei a ingerir
seis litros de água em um único dia. Água mineral que variava entre dois e
quatro reais. Mas também fomos castigados pela chuva, um dia inteiro desde as
cinco da manha. Sem protetor solar, queimamos as pernas e rosto. Fica a dica...
Baroni, o pintor orgulhoso. A Placa
dizia: “Natty Club”. Talvez a intenção fosse escrever Night Club, mas o que
vale é mensagem transmitida. O letreiro chamou nossa atenção e decidimos sacar
algumas fotos no local. Não demorou muito, um sujeito franzino apareceu e se
apresentou. – Eu sou o Baroni, e sou o autor e pintor da placa, idéia minha.
Disse ele muito orgulhoso. Demos total atenção ao novo amigo Baroni, que
explicou o passo a passo de sua criação. Disse ainda que ali as “trelhas”
tremiam com as pedras que rolavam. Traduzindo: as telhas tremiam com a música
forte que tocava. Claro que era o puro Reggae Roots o que predomina em toda região
maranhense. Já havíamos saído após nos despedir do Baroni, mas ele gritou e
correu em direção ao André, era um colar que ele mesmo havia confeccionado, com
as cores da bandeira da Jamaica. Orgulhoso como sempre, ele presenteou o novo
amigo que agradeceu e na mesma hora já o colocou com a delicada ajuda do Carlos,
(Beto).
Vento, sol e chuva. Durante os cinco
dias, fomos brindados com muito Sol, Chuva e vento que soprava do leste para o
oeste. Pedalar nessas condições exige muito esforço físico, mas estávamos bem
preparados e finalmente conseguimos vencer cada um dos obstáculos interpostos
em nosso caminho.
Chegamos
a Ilha por volta das 17h. Não queríamos pedalar na noite escura em meio ao
transito desconhecido. Decidimos por um pequeno hotel, que em seguida
descobrimos ser na verdade um Motel. Ali ficamos hospedamos ate a nossa partida
rumo a Castanhal. Os quatro amigos dormindo em um motel. Sabe-se lá o que
passava na cabeça dos usuários do pequeno recinto do amor.
Fomos
recepcionados por nosso amigo Alfredo Pinheiro, tio do Carlos Roberto, e por três
membros do moto clube bodes do asfalto. Junior Branco, Vicente e Cássio,
fizeram as honras da casa. Deliciamo-nos com alguns petiscos a Meira mar, e as
19h do sábado partimos em um ônibus rumo a Castanhal com a próxima aventura na
cabeça: Monte Roraima, Venezuela.
Continuamos
a construir nossa própria história para não termos que contar apenas o que
ouvimos falar.
Além de convencê-los, foi muito bom ler este relato e pensar um pouco mais sobre a vida e o que fazemos mais com ela no dia a dia. Confesso que essa palavras me fizeram pensar um pouco mais, pensar diferente... Abraço. Júnior Branco.
ResponderExcluirOpa! Obrigado meu amigo Branco. Mas é assim mesmo, da mesma forma que somos influenciados, também influenciamos pessoas por onde quer que passemos ... Adelante com os sonhos. rs
ResponderExcluirOlha, que aventura eim.. deu até vontade.
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